Dados Abertos: informação líquida, democracia, inovação… os tempos estão mudando

Introdução

Open data

Creative Commons CC0 1.0 Universal Public Domain Dedication

Os paradigmas do Acesso Aberto, Software livre, Creative Commons etc., são amplamente conhecidos. Em particular os leitores de SciELO em Perspectiva estão bem familiarizados com esses conceitos e as vantagens do acesso aberto à informação para a comunidade acadêmica e o público em geral como uma forma de democratizar o conhecimento e produzir cidadãos informados.

O movimento de Software livre (FOSS), iniciado por Richard Stallman já tem 30 anos, o Open Access e o Creative Commons mais de 10 anos, o Programa SciELO acaba de completar 15 anos. Agora nesses últimos anos, começou a crescer um novo fenômeno conhecido como Dados Abertos – DA (Open-Data), ou “informação líquida”, parafraseando a Zygmunt Bauman. Denominamos “informação líquida” os dados registrados em suportes digitais, em atualização permanente, sem restrições de acesso, amplamente disponíveis e em formatos que possam ser compartilhados através de protocolos abertos.

No final do mês de outubro de 2013, a empresa McKinsey Global Institute (MGI), publicou um documento de pesquisa que analisa o potencial que teria a informação legível por máquina, em particular os dados dos governos, que poderiam gerar um valor econômico significativo através de inovações e serviços, caso esta informação fosse de acesso aberto.

O relatório titulado Open data: Unlocking innovation and performance with liquid information analisa sete setores da atividade social e econômica: Educação; Transporte; Produtos de Consumo; Eletricidade; Gás e Petróleo; Sistemas de Saúde e Serviços Financeiros. O documento conclui que se o DA fosse disposto apenas nos Estados Unidos poderia incrementar-se o PBI de 3 a 5 trilhões de dólares por ano (trilhões americanos). O relatório indica também, que os DA já estão trocando as formas como ensinam os professores e mestres, a forma em que aprendem os estudantes, como os administradores tomam decisões, e como os graduados são capazes de encontrar os empregadores adequados a seus perfis e aspirações.

Os DA podem se converter em um instrumento para acabar com as lacunas de informação em todos os setores econômicos, empresas de produtos, de serviços, setores acadêmicos, e compartilhar pautas de referência para difundir melhores práticas que elevem a produtividade. Naturalmente, isso não é automático, será preciso fazer investimentos em tecnologia, gerar profissionalismo e experiência e muito trabalho por parte dos governos, para desenhar políticas de acordo com o progresso que facilite o fluxo de dados e que ao mesmo tempo protejam a privacidade e a propriedade intelectual. A conclusão principal do relatório de McKinsey é que o movimento de DA pode ser convertido em um ciclo virtuoso somente se as agências públicas, a academia e a indústria privada forem capazes de criar um ecossistema vibrante de dados abertos.

Dados Abertos ou Líquidos

Para que possam ser usados e elevar a produtividade é preciso que os repositórios de dados tenham pelo menos os seguintes atributos, segundo explica o relatório de McKinsey:

  • Acessibilidade: todo mundo pode ter acesso, ou pelo menos que a maior quantidade de usuários tenha direitos a usá-los.
  • Legíveis por máquina: disponível em formatos que possam ser recuperados em forma simples, por muitas vias, e que possam ser processados por computadores.
  • Custo: gratuitos, ou custos marginais.
  • Direitos: sem limitações de direitos para usar e distribuir os dados.

Este movimento mundial de DA permitiu que uma organização de caráter global, a World Wide Web Foundation criasse uma nova seção chamada Open Data Barometer, que mede o desempenho dos governos em base a 14 métricas de abertura de dados. No Open Data Barometer: 2013 Global Report publicado há poucos dias foram classificados 77 países selecionados em todos os continentes, onde o Reino Unido, Estados Unidos, Suécia, Nova Zelândia, Noruega, Dinamarca, Austrália e Canadá, ocupam os primeiros lugares da tabela de acordo com os critérios da DA. América Latina aparece representada recentemente entre as posições 25 a 62. O Brasil que tem atualmente uma disposição legal no artigo 5 da Constituição Federal, junto ao Projeto de Lei nº 41/20106, igualmente ainda está na posição 28, terceiro na América Latina atrás do México e Chile.

Vários governos nacionais criaram centenas de Web Sites onde se dá acesso à informação que eles recopilam através de suas diferentes agências a nível nacional ou municipal, em um plano internacional de Cultura para Dados Abertos ou Governos Abertos. O projeto Datacatalogs.org no momento de escrever essa nota (03/11/2013) tem registrados 385 catálogos de dados provenientes de mais de 40 países, e que oferecem mais de um milhão de data-sets aberto pelos governos do mundo.

A razão do projeto internacional de Cultura para Dados Abertos é fazer governos mais eficientes e efetivos, identificando formas de melhorar os serviços públicos que cumpram as necessidades cidadãs através das tecnologias digitais; fornecer matéria prima (dados) para a economia da informação; transparência que permita aos cidadãos controlar o que fazem os governos com os impostos; inclusão e empoderamento que equilibre a assimetria de informação entre o poder político e os cidadãos.

Dados Abertos e Academia

Desde o ponto de vista geral da sociedade os DA cumprem um papel importante, mas qual é a importância específica no âmbito da academia, que é onde o Programa SciELO está mais envolvido? Os DA incluem, além dos mencionados anteriormente, informação geográfica, dados do genoma humano, dados médicos, biodiversidade, séries meteorológicas, séries econômicas. Todos estes data-sets são fontes de dados que historicamente estiveram restringidos ao acesso aberto mediante permissão, licenças, patentes etc.

Somente como exemplo de aplicação, tomemos uma das sete áreas que analisa o documento do McKinsey Global Institute, a área de Atendimento a Saúde. A quantidade de dados recopilados, analisados e compartilhados entre os diferentes setores da saúde alcançaram uma massa crítica que supera em várias ordens de magnitude às provas controladas que são publicadas como trabalhos de pesquisa nos periódicos. Os volumes de registros médicos em formato digital, as pesquisas e dados que foram recolhidos pelos governos durante anos permitiriam uma visão crítica entre as diferentes terapias que são aplicadas em pacientes, análise de custo/beneficio dos sistemas hospitalares, e detectar custos desnecessários. Naturalmente que deverão ser resolvidos os problemas de falta de padronização de dados, inclusive com as empresas farmacêuticas cujos dados em geral permanecem isolados, assim como também os problemas da privacidade e confidencialidade de atos médicos.

Argumentos a favor e contra do DA

Como em todos os aspectos da vida, quando se tenta modificar um status quo, surgem vozes a favor e contra. Qualquer que seja uma situação, boa ou má, seguramente alguém ganha e alguém perde, e ao tentar modificá-la, presumidamente para melhorar, os que no presente ganham vão se opor. O tema dos dados abertos não escapa deste comportamento da sociedade.

Os que se manifestam contra de dispor os dados de forma aberta, em geral se baseiam em argumentos que buscam garantir a seu favor reservas de mercado, e também em filosofias econômicas, tudo que é naturalmente legítimo. Por exemplo, se argumenta que os governos não deveriam colocar em risco as atividades do setor privado; que usar fundos públicos para recopilar dados que também o fazem os setores comerciais não é um uso eficiente dos impostos; que poderia ser afetada a privacidade dos cidadãos; que a recopilação, administração e difusão de dados são atividades de trabalho intensivo que tem custos que devem ser recuperadas, e que existem organizações sem fins lucrativos que podem ser financiados mediante essas atividades e, finalmente, o clássico argumento do “free rider”, se alguém oferece serviços grátis tirará incentivo para investir nessa área o que será um freio à inovação.

Pelo contrário, os que se manifestam a favor dos dados abertos, esgrimem como argumentos, que os Dados básicos pertencem à humanidade, tipicamente os dados do genoma, ciência médica, dados ambientais, e todos aqueles que estão protegidos por diversas convenções internacionais, tais como os OECD Principles and Guidelines for Access to Research Data from Public Funding, publicado em 2007; que se os financiamentos para recopilar os dados provem de fundos públicos, então os resultados desses trabalhos deveriam estar disponíveis de forma universal; que os fatos (dados) originais não deveriam legalmente ser protegidos por direitos de autor; que os dados são necessários para melhorar o desenvolvimento socioeconômico dos cidadãos; e em particular na pesquisa científica, dispor de acesso aos dados sem restrições poderia acelerar a taxa de descobertas.

Os Dados Abertos e os outros movimentos “Abertos”

Os objetivos do movimento do DA é similar a outras iniciativas como a de dispor de publicações acadêmicas na Internet de forma livre (seja pela Via Dourada, Verde, e outras) como promove o Programa SciELO. Os conteúdos abertos tem o propósito de que os recursos de informação destinados ao público, em todas suas formas, estejam disponíveis sem custos. Também o conhecimento aberto, de acordo com a Open Knowledge Foundation abrange a abertura de uma gama de temas que incluem aos Dados Abertos, mas não estão limitados a estes, senão que em seu sentido mais geral incorpora os princípios e protocolos do CC Science Commons, incluindo, além disso, a ciência publicada, os experimentos falidos, os dados experimentais originais, os programas de computação de código aberto, a interconexão de data-sets e as técnicas de vinculação entre os dados para permitir a pesquisa transdiciplinar e reproduzível.

Além disso, as políticas de governo de abertura de seus próprios dados, é importante promover em nível das agencias de financiamento a criação de repositórios de dados bioinformáticos, moleculares, e dados experimentais, que garantam a preservação pelo menos de um período de cinco anos posteriores ao financiamento, sem importar que esses dados sejam publicados ou não.

Conclusão

Acesso Aberto, Software livre, Creative Commons e agora Dados Abertos, o mundo está em um processo acelerado de mudança, e como disse Bob Dylan: Times They are a-Changin’.

The line it is drawn
The curse it is cast
The slow one now
Will later be fast
As the present now
Will later be past
The order is
Rapidly fadin’
And the first one now
Will later be last
For the times they are a-changin’
A linha foi traçada
A sorte está lançada
O que é lento agora
Será rápido amanhã
Como o presente agora
Será mais tarde passado
A ordem está
Velozmente esfumando
E o que hoje é primeiro
Será mais tarde passado
Porque os tempos estão mudando

(tradução livre do autor)

Links externos

McKinsey Global Institute – http://www.mckinsey.com/

Open data: Unlocking innovation and performance with liquid information – http://www.mckinsey.com/insights/business_technology/open_data_unlocking_innovation_and_performance_with_liquid_information

World Wide Web Foundation – http://www.webfoundation.org/

Open Data Barometer: 2013 Global Report – http://www.webfoundation.org/2013/10/open-data-barometer-launched-by-web-foundation-open-data-institute/

Datacatalogs.org – http://datacatalogs.org/

OECD Principles and Guidelines for Access to Research Data from Public Funding – http://www.oecd.org/science/sci-tech/oecdprinciplesandguidelinesforaccesstoresearchdatafrompublicfunding.htm

Open Knowledge Foundation – http://okfn.org/

CC Science Commons – http://sciencecommons.org/projects/publishing/open-access-data-protocol/

Proyecto de Ley nº 41/20106 –http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=96674

 

spinakSobre Ernesto Spinak

Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado em Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela  Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.

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Ernesto Spinak
Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado en Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información" pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SPINAK, E. Dados Abertos: informação líquida, democracia, inovação… os tempos estão mudando [online]. SciELO em Perspectiva, 2013 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2013/11/18/dados-abertos-informacao-liquida-democracia-inovacao-os-tempos-estao-mudando/

 

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