Entrevista com Indrajit Banerjee, Diretor da Divisão de Sociedade da Informação da UNESCO

Indrajit Banerjee

Indrajit Banerjee

Indrajit Banerjee é atualmente Diretor da Knowledge Societies Division, Communication and Information Sector. Foi chefe do Information and Communication Technology in the Education, Science and Culture Section of the Communication and Information Sector da UNESCO.

Tem Doutorado em Communication and in Didactics pela Université de la Sorbonne Nouvelle, Paris (França); estudos de pós-doutorado na Université du Québec, Montreal (Canadá); e trabalhou como Secretario General da Asian Media Information and Communication Centre (AMIC) em Singapura.

Nesta presente entrevista, Banerjee explica porque a Knowledge Societies Division, Communication and Information Sector da UNESCO patrocinou o SciELO, o que representa o maior apoio que a UNESCO cedeu a uma iniciativa de informação.

Segundo Banerjee, o Projeto SciELO é pioneiro mundial, pois incentiva a publicação científica em Acesso Aberto quatro anos antes da Reunião de Budapest sobre o Open Society, e as conferências de Berlim posteriores. Dos 10 periódicos do projeto piloto de 1998, hoje o SciELO tem cerca de 1.000 periódicos de qualidade de quase 20 países com mais de 400 mil artigos.

Tal modelo de sucesso levou a UNESCO a tornar o SciELO um estudo de caso para apresentar aos Estados Membros, e replicar em outras partes do mundo.

Indrajit Banerjee nos informa que esse estudo da UNESCO será publicado na forma de um livro com financiamento do governo do Japão.

1. UNESCO é a organização internacional que está patrocinando a Conferência SciELO 15 anos, o que significa um grande reconhecimento ao Programa SciELO e a celebração do seu 15º aniversário. Como você avalia o papel do SciELO para melhorar a visibilidade e a qualidade dos periódicos nacionais, por meio de programa com financiamento governamental em acesso aberto, baseado na cooperação internacional?

p_WDA LOGO UNESCO 2008Muito obrigado por me fazer esta pergunta. É verdade, a UNESCO concedeu ao SciELO seu patrocínio. Patrocínio é a mais alta forma de apoio da UNESCO. É concedido para demonstrar o apoio moral da Organização a uma atividade excepcional. O patrocínio concedido pela Secretaria da UNESCO para a Conferência SciELO 15 anos demonstra o caráter e o âmbito significativamente internacional deste evento. Não menos importante, ele também inclui um gesto de agradecimento da UNESCO ao esforço do SciELO para tornar os resultados da pesquisa mais acessíveis às pessoas comuns.

Desde o início da pesquisa científica organizada, tem sido uma motivação para os cientistas compartilharem seus trabalhos com seus pares, a fim de estimular o debate, provocar elogios e receber críticas. Esse compartilhamento também cria um pretexto para declarar o direito moral à descoberta, fornecer um ponto de referência para o avanço da ciência a um nível mais elevado de aperfeiçoamento, inspirando outros cientistas a assumirem ou aprenderem melhor sobre pesquisa. Periódicos constituíram meios eficazes de compartilhar resultados de pesquisas e foi incluído aí o processo de revisão por pares, entre outras formas de validação, controle de qualidade e processos de autenticação.

Com o aumento do acesso à Internet, os processos de publicação e compartilhamento foram alterados. As editoras descobriram uma forma de comercializar a concessão de acesso às obras publicadas, e logo começaram a cobrar uma quantidade excessiva além do que cientistas, especialmente os dos países em desenvolvimento, poderiam pagar. O Acesso Aberto (AA) foi uma reação natural a esta comercialização. Esse se refere ao acesso online irrestrito a artigos publicados em periódicos acadêmicos. Desde os acontecimentos que tiveram lugar em Budapeste e Berlim, no início dos anos 2000, tornou-se um dos temas mais apaixonadamente discutidos entre a comunidade científica e acadêmica. É um movimento em curso com muitos defensores e proponentes que resolutamente defendem a causa. O movimento AA está alinhado com os Millennium Development Goals (MDG) cujo foco é o fortalecimento do capital humano e da meta da World Summit on the Information Society’s na construção de sociedades de conhecimento aberto e inclusivo. Para atingir a meta de sociedades do conhecimento, abertas e inclusivas, diferentes abordagens e estratégias foram adotadas pela UNESCO.

SciELO foi lançado quatro anos antes da Declaração de Budapeste, e seis anos antes da Declaração de Berlim sobre o Acesso Aberto. Na verdade, SciELO foi pioneira no conceito de Acesso Aberto e trouxe a pesquisa ao alcance imediato das pessoas comuns. A infraestrutura da SciELO compreende a plataforma para a publicação on-line, com um sistema de indexação, concebendo o arcabouço inicial que sucedeu ao impulso do SciELO.

O lançamento de dez periódicos em um seminário público em São Paulo no seu ano de início ao nível atual de mais de 985 periódicos e mais de 400 mil artigos livremente acessíveis é uma façanha notável e um exemplo por excelência de enfoque em Acesso Aberto!  Entendo que o website da SciELO recebe mais de 1,5 milhão de acessos e  downloads em um único dia. SciELO, portanto, extrapolou mesmo a definição de Acesso Aberto, não apenas trabalhando para fornecer acesso a material acadêmico, como também fornecendo acesso à forma de produzir periódicos visíveis e reconhecidos, ajudando em particular os países em desenvolvimento e emergentes.  

A ideologia de SciELO de desenvolver uma metodologia comum para preparação, armazenamento, difusão e avaliação da literatura científica em formato eletrônico, a enriquece com a estabilidade crítica institucional e demonstra a importância do financiamento do governo. A realização central de SciELO no incentivo de parcerias resistentes entre as comunidades científicas nacional e internacionais – autores, editores, instituições científicas e tecnológicas, agências de fomento, universidades, bibliotecas, etc. impulsionaram a difusão, o melhoramento e a sustentabilidade do modelo SciELO.

Essa é a mesma razão pela qual a UNESCO, de acordo com a sua estratégia de Acesso Aberto, considerou a preparação de um estudo de caso sobre o SciELO. É o primeiro estudo de caso desse tipo, que avalia e documenta a contribuição positiva do SciELO, e que irá relacionar os benefícios às comunidades de pesquisa através do mundo. Esse livro será lançado durante o aniversário de 15 anos do SciELO. Devo também salientar que o recurso financeiro para preparar esta publicação provém do governo do Japão. 

2. O SciELO África do Sul acaba de adquirir o status de coleção certificada da Rede SciELO, o que dá o direito à coleção e aos periódicos de ter acesso a todos os produtos e serviços oferecidos pela rede. Trata-se do décimo primeiro país que teve êxito em obedecer aos critérios estabelecidos pela Rede. É também o primeiro país não Ibero-Americano a integrar a Rede SciELO.   O que acha desse fato, ele irá estimular a adoção do modelo SciELO e sua plataforma por outros países em desenvolvimento e emergentes?

Sem dúvida que estimulará! Entendo que a África do Sul se associou à Rede SciELO em 2009, assinalando uma necessidade de ampliação do enfoque.  Não é muito cedo para avaliar o sucesso do enfoque de SciELO na África, uma vez que 26 periódicos já se associaram à Rede e muitos mais estão considerando tal união. Com sua filosofia de plataforma descentralizada efervescente e cooperativa, e a maneira com que o SciELO estabelece pontos focais, o SciELO  fornece essencialmente um contexto para que o próprio país conduza o processo de publicação em Acesso Aberto.  

Outros fatores que considero importantes para serem mencionados são a avaliação e os conceitos de sustentabilidade do SciELO. Não somente a metodologia assegura a qualidade do processo de peer review, mas seu enfoque exige que esses periódicos continuem publicando. A metodologia desencoraja periódicos temporários e também assegura que os artigos sejam reconhecidos por seu impacto.

O modelo bem sucedido do SciELO encoraja funções imperativas de publicação eletrônica, operação de websites, produção de indicadores estatísticos e medidas de aferição de qualidade, etc., em conjunto com relevantes atividades de treinamento.  

Em março de 2013, a UNESCO organizou uma Consulta Regional sobre Acesso Aberto em Kingston, Jamaica, para avaliar de que forma o acesso gratuito e irrestrito à pesquisa e à comunicação científica aumentam o impacto da pesquisa e beneficiam as instituições de pesquisa, autores, editores, e a sociedade como um todo. A consulta deliberou sobre as modalidades para criar os mecanismos, mandatos e modelos de política que cercam o Acesso Aberto. Os participantes tiveram oportunidade de contribuir para a identificação das áreas prioritárias de intervenção e para conseguir “abertura” na região e nos países individualmente. Uma das recomendações da consulta foi a repetição do modelo SciELO de Acesso Aberto no Caribe. Atualmente, estão em nível avançado de discussão iniciativas com o governo do Brasil para o apoio técnico e financeiro dessa expansão.  

Penso ainda que a publicação da UNESCO sobre o SciELO e o sumário de políticas relacionadas definitivamente resultarão no aumento da atenção dos Estados Membros para replicar o modelo SciELO em outras partes do mundo. 

3. A UNESCO lançou recentemente a sua Política de Acesso Aberto Referente a Publicações da UNESCO, tornando assim todas as suas publicações disponíveis de maneira gratuita, a partir dede 1° de julho de 2013, através de um repositório. Esse é um grande avanço que se encaixa com a política de Acesso Aberto e informação para todos os programas que a UNESCO já vem promovendo há muito. Você poderia comentar sobre tal decisão, suas implicações e, ainda, por quais outras Organizações das Nações Unidas será adotado?

Este é realmente um grande passo que demos para estabelecer que a UNESCO pratica e prega. Em 23 de março de 2013, a Diretoria Executiva da UNESCO discutiu e aprovou uma primeira versão do Projeto de Política de Acesso Aberto de Publicações da UNESCO. Essa decisão deve vigorar a partir de 1° de julho de 2013; e faz da UNESCO a primeira agência da ONU a adotar uma política de AA.

O objetivo da política de Acesso Aberto da UNESCO é o de melhorar o acesso à pesquisa, especialmente suas publicações e os dados coletados pela Organização. A política tem como alvo os países em desenvolvimento, e é totalmente apoiada pelos Estados Membros, como “um grande passo para fomentar sociedades do conhecimento”.

Por meio de sua política de Acesso Aberto, a UNESCO prevê a disponibilização em acesso aberto de informação de pesquisa submetida à revisão por pares, trabalhos acadêmicos e resultados de pesquisa para todos, usando um sistema de licenciamento do tipo Creative Commons. A intenção é de que todas as suas publicações (por exemplo: em impresso, áudio, vídeo e multimídia) sejam disponibilizadas para acesso online gratuito por intermédio de seu site. A política de AA vai exigir que todas as publicações estejam depositadas no repositório, permitindo que qualquer usuário no mundo possa ler livremente, baixar, salvar, copiar, imprimir, reutilizar, adaptar e traduzir o texto completo da obra.

A implementação da política incluirá: a criação de um novo Repositório de Publicações da UNESCO multilíngue em AA; a publicação gradual de documentos no repositório; a capacitação do pessoal com revisão de contratos existentes; os formulários de direitos de permissão; os acordos de publicação e a reforma significativa nas políticas de publicação da Organização. 

A Política de Acesso Aberto requer que o Diretor Geral incentive os governos, instituições e organizações de pesquisa a assinarem os instrumentos apropriados de Acesso Aberto como a Declaração de Berlim sobre o Acesso Aberto ao Conhecimento nas Ciências e Humanidades. Estamos, portanto, discutindo com nossos parceiros para organizar o ciclo de conferências de Berlim do próximo ano em Paris. 

A Knowledge Societies Division of UNESCO dentro do Communication and Information Sector (KSD/CI) tornou-se parte integrante da implementação da Política de Acesso Aberto.  KSD/CI desenvolverá ferramentas de capacitação para treinar funcionários de UNESCO a compreenderem a Política de Acesso Aberto da UNESCO.  Isso ajudará a avaliar o desenvolvimento de um novo repositório e sua funcionalidade. 

Esperamos agora ser um exemplo a seguir.  De maneira interessante, o Acesso Aberto tem sido reconhecido como uma agenda implícita para tratar do desafio do conhecimento no futuro. Entendemos que em breve uma nova política sobre os direitos será acordada em conjunto pelo sistema das Nações Unidas e por muitas outras organizações das Nações Unidas, que adotarão a política de Acesso Aberta em suas publicações.

4. Em fevereiro de 2013, a UNESCO conduziu a First WSIS+10 Review, reunião com associados internacionais para avaliar a implementação de Linhas de Ação da Word Summit on the Information Society’s. Como avalia as conclusões e recomendações da WSIS+10 Review?

Como você observou corretamente, a primeira análise multiusuário, que foi realizada em fevereiro deste ano, examinou os avanços das Linhas de Ação da WSIS e analisou os recentes desenvolvimentos, bem como as previsões. Convocado no marco do processo de revisão geral da WSIS, o evento contribuiu para a análise contínua dos resultados de grandes Conferências das Nações Unidas. O evento abordou em sinergia todas as dimensões dos avanços da WSIS, debateu os desafios relacionados e as questões em jogo no futuro, esboçando visões comuns sobre a agenda pós-2015 e metas de desenvolvimento sustentável nos quais as Information and Communications Technology (ICTs) devem ser reconhecidas adequadamente como promotoras do desenvolvimento inclusivo e da paz. 

A análise reconheceu a capacidade das ICTs e observou que seu uso levou à transformação significativa nas sociedades, capacitando os indivíduos, possibilitando o crescimento econômico e contribuindo para atingir os Objetivos de Millennium Development Goals. A análise concluiu com ênfase que o acesso à informação e ao conhecimento está, entretanto, longe de ser universal e equitativo.  Muitas pessoas estão ainda excluídas dos benefícios da revolução da informação devido aos desafios existentes no acesso às ICTs acessíveis, assim como à falta de políticas e habilidades apropriadas. Reconhecendo o potencial da banda larga para acelerar o progresso socioeconômico de países, ainda há uma necessidade urgente de fechar a brecha entre os países mais ricos e os mais pobres, e abordar as disparidades de capacidades humanas e de acesso a conteúdos.  Diferenças significativas também prevalecem nos países.  A superação desses desafios ajudará a humanidade a colher os dividendos das oportunidades que se encontram diante de nós.  

O surgimento da Sociedade de Informação fez surgir muitas esperanças. Entretanto, informação e conhecimento não são apenas forças para transformação social. Também são meios essenciais para alcançar a promessa do desenvolvimento sustentável, a compreensão mútua e a paz. As Sociedades do Conhecimento se baseiam na soma da engenhosidade humana, inovação tecnológica e poder de informação e conhecimento. Têm o potencial de conseguir impactos positivos e duradouros em educação, prosperidade econômica, inclusão social e proteção do meio ambiente, levando a humanidade a uma nova era de paz e de desenvolvimento sustentável.  

Entre muitas outras ações, a WSIS+10 Review reconheceu o Acesso Aberto como um dos elementos fundamentais para fomentar as Sociedades do Conhecimento.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY ONLINE. Entrevista com Indrajit Banerjee, Diretor da Divisão de Sociedade da Informação da UNESCO [online]. SciELO em Perspectiva, 2013 [viewed ]. Available from: https://blog.scielo.org/blog/2013/08/26/entrevista-com-indrajit-banerjee-diretor-da-divisao-de-ciencias-da-informacao-da-unesco/

 

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